Tempos peregrinos

Lá vai um, lá vão dois, três peregrinos a passar. Na vintena de vezes diárias que o vício me conduz à varanda, impressiona-me a quantidade de peregrinos que formigam rumo a Santiago de Compostela. Isolados ou aos molhos, de todas as idades, géneros e feitios, compatriotas ou estrangeiros, com ar sofrido ou prazeroso. Juntam-se a outros tantos que marcham, correm ou pedalam com homologa devoção. Outras promessas e outros rituais, estes sem destino longínquo, em circuito fechado.

Hoje, sensibilizou-me um caso especialmente pungente: um idoso, na casa dos setenta, deficiente motor, com a cabeça completamente pendida para a frente e uma extensa cicatriz no pescoço na linha da coluna vertebral, protegido com óculos de mergulhador, arrastava-se cambaleante mas sem qualquer indício de hesitação. E o mais marcante: solitário!

Imagem: Jacques Callot. Os dois peregrinos, da séire Os mendigos. 1622-23

Agradecimento ou promessa? Sofrimento ou consolo? Gestos sacrificiais ou hedonistas? Sagrados, profanos ou secularizados? Porventura, ambos. Vem a propósito destas (revigoradas e ressignificadas) formas de penitência o texto do Luís Cunha, “A Experiência do Tempo num Espaço Sinalizado: Peregrinação e Dinâmica Social”, publicado no livro coletivo Sociologia Indisciplinada (Húmus, 2022).

Luís Cunha, professor da Universidade do Minho, doutorado em Antropologia, é autor de A nação nas malhas da sua identidade (1994), Memória social em Campo Maior (2006) e Vinte mil léguas de palavras (2017; Prémio Nacional do Conto Manuel da Fonseca 2016).

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