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Apresentação de livros: Festas de São João de Sobrado / Mosteiro de Tibães

Sexta, dia 15 de março de 2024, pelas 21H00 no Centro de Documentação da Bugiada e Mouriscada, em Sobrado, Valongo, decorrerá a apresentação do livro “São João De Sobrado: A Festa da Bugiada e Mouriscada”, da autoria de Rita Ribeiro, Manuel Pinto, Albertino Gonçalves, Alberto Fernandes, Luís Cunha e Luís António Santos. Os promotores são a Comissão de Festas do São João de Sobrado 2017 e a Associação São João de Sobrado.

Sábado, dia 16 de março de 2024, às 15 h, na Sala do Capítulo do Mosteiro de Tibães, decorrerá, promovida pelo Grupo de Amigos do Mosteiro de Tibães, GAMT, a apresentação do livro “Para uma interpretação do mosteiro: Tibães do espaço à vivência, da materialidade à simbólica”. A publicação será apresentada pelo Professor José Carlos Miranda, da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais (UCP – Braga).

As duas caras: A oliveira e o leão

Por António Amaro das Neves

“Tenho particular apreço pelos autores que ousam acrescentar novas camadas de sentido a realidades, designadamente do património histórico e cultural, cuja interpretação parece saturada ao nível do senso comum vulgar ou sábio. António Amaro das Neves consegue-o a propósito do Guimarães, o Homem das Duas Caras, estátua icónica dos vimaranenses, no texto surpreendente “As duas caras: A oliveira e o leão”, escrito para o livro Sociologia Indisciplinada. São obras como esta que costumo eleger como fonte de inspiração e me motivam, confesso, uma ponta de inveja.

Segue, em pdf, a versão a cores do capítulo “As duas caras: A oliveira e o leão”, da autoria de António Amaro das Neves, do livro Sociologia Indisciplinada (coordenado por Rita Ribeiro, Joaquim Costa e Alice Delerue Matos), Edições Húmus, 2022, pp. 55-68″ (Albertino Gonçalves).

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António Amaro das Neves, historiador, mestre em História das Populações, investigador do CITCEM. Foi presidente da direção da Sociedade Martins Sarmento e coordenador editorial da Revista de Guimarães. Autor, coautor e organizador de diversas publicações. Mantém ativo, desde 2007, o blogue Memórias de Araduca, dedicado à história, às tradições e à cultura de Guimarães e do Minho.

Antepassados do surrealismo: o maneirismo (vídeo da conversa)

Após quatro meses de esforços e contratempos, o vídeo com a conversa Os antepassados do surrealismo: os maneiristas está disponível na Internet. Exigiu tanta dedicação que se tornou numa das minhas rosas. Não ouso convidar a assistir às quase duas horas. Quando muito, um breve relance, de preferência a uma das seis apresentações incorporadas. Sei que todos andam ocupados a cuidar de outros jardins.

O vídeo ganha em ser visualizado em alta resolução (1980p).

Antepassados do surrealismo: o maneirismo, por Albertino Gonçalves. Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa, em Braga, 27 de maio de 2023

A universidade sofreu uma viragem no crepúsculo do segundo milénio. Os novos modos e as novas metas dos circuitos académicos não condizem nem com a minha formação nem com a minha vocação. Entre outros aspetos, incomoda-me ter que pedir, senão pagar, a estranhos para publicar. Nesses termos, perdi o interesse em publicar. Continuei a escrever mas relatórios de investigação/ação ou por convite, sem esquecer os apontamentos no blogue Tendências do Imaginário, um monstro híbrido de cultura e lazer, criado em 2011.

Não deixei, contudo, de investigar. Pelo contrário. Gosto de comunicar e ensinar, mas prefiro descobrir e aprender. A vida é um bom mestre. Ensinou-me, entretanto, que sou mortal. Tomei consciência de que boa parte dos conhecimentos que fui amealhando, dispersos em discos digitais, arriscam desparecer comigo. Pequeno ou grande, trata-se de um desperdício.

Capacitei-me da responsabilidade de cuidar da partilha. Optei, quase exclusivamente, por duas vias (alternativas aos blogues Tendências do Imaginário e Margens): a publicação de livros e a comunicação oral. Os livros são obras de Santa Engrácia. As comunicações costumo não as repetir, nem sequer as apresentações de livros. Em suma, grande vontade mas parcos os meios: para cada assunto, uma única comunicação, num dado local e data, perante um público reduzido. A passagem de testemunho reduz-se, portanto, a um momento pouco participado.

Posso não aderir a todas as mudanças, mas não me estimo retrógrado. Procuro aproveitar as novas tecnologias, designadamente, de informação e comunicação, que proporcionam um arremedo de solução para o afunilamento da partilha: filmar as conversas e disponibilizá-las na Internet. Assim sucedeu com  as conversas O Olhar de Deus na Cruz: o Cristo Estrábico (29-11-2022) e Vestir os Nus: Censura e Destruição da Arte (18-02-2023), embora com insuficiente qualidade. Com um pouco mais de profissionalismo, resultou mais cuidado o registo desta última conversa.

Maniera: A Arte do Artista

O maneirismo, menosprezado durante quatro séculos, permanece pouco conhecido. Trata-se, porém, de uma das correntes mais inovadoras e ousadas da história da arte. Sendo raros os textos e as imagens que lhe são consagrados, o vídeo Maniera – A Arte do Artista, uma mostra de obras anotadas, representa um contributo, por modesto que seja. O fundo musical é composto por folias, um tipo de música e dança de origem portuguesa em voga no século XVI).  

Acompanham o vídeo um apontamento, para contextualização, e uma galeria com uma seleção de imagens, para ajuda à visualização e eventual descarga.

Maniera: A Arte do Artista, por Albertino Gonçalves, Julho de 2023

Faltou à conversa “Os Antepassados do Surrealismo: o Maneirismo” (Braga, 27 de maio de 2023) uma apresentação genérica dedicada ao maneirismo, correspondente à que foi projetada para o surrealismo. Segue uma espécie de justificação autocrítica escrita logo no dia seguinte.

“Ontem teve lugar a conversa “Antepassados do Surrealismo: o maneirismo”. Estavam previstos 60 minutos, durou 2 horas. Mais do que riqueza, este prolongamento revelou impreparação. Se tivesse ensaiado antes, teria cortado algumas partes e abreviado outras. A justeza, a fluidez e a naturalidade constroem-se, treinam-se e testam-se.

O que aconteceu? Uma notícia intempestiva corroeu a motivação: os jogos do F.C. Porto e do S.L. Benfica, em que se decidia o campeonato, foram remarcados coincidindo com a conversa. Manifesta-se difícil imaginar maior desvio de público. Este percalço irritou-me. É certo que a vida é feita de acidentes de percurso. Faltavam cinco dias e a divulgação já estava em curso. Sensível a contrariedades imponderadas, embirrei e bloqueei. Uma conversa não se justifica se não partilhar algo de original. Não é óbvio partilhar sem público. Acresce o combustível do prazer. Estavam em causa a partilha e o prazer.

Capaz de me entregar sem reservas a um desafio, também me desligo ao mínimo estorvo ou desagrado. A conversa ganhava naturalmente com uma seleção de imagens dedicada ao maneirismo em geral. Tarefa que pouco estimulante, releguei-a para o fim. Com o contratempo do futebol, se pouco me entusiasmava, deixou de o fazer. Amuei e passei a dispensar. Como pitada de indulgência, convenha-se que, atendendo à diversidade, complexidade e dificuldade de descodificação das obras maneiristas, uma mera projeção abreviada de uma dúzia de imagens arriscava revelar-se incipiente e, porventura, mais confusa do que esclarecedora. Quando o público acusou a falta dessa apresentação, a resposta foi imediata, desconcertante e honesta: talvez houvesse interesse, mas não vontade.

Em suma, procedi mal! Tanto a conversa como o público mereciam algumas horas de dedicação adicional. Nem sempre sou racional. Acontece-me ser improcedente, inconstante, caprichoso e casmurro. O público merecia, de facto, melhor. Apesar das circunstâncias adversas, marcou presença, resistindo à sereia da bola. Repito, merecia melhor, sobretudo menos quantidade e mais qualidade. Mas, pelos vistos, ainda queria mais!”

Há males que vêm por bem! Atendendo à urgência, a apresentação a devido tempo sobre o maneirismo seria breve, pouco original e de pouco alcance, à semelhança, aliás, da dedicada ao surrealismo. Com um sentimento de culpa, acabei por encará-la como uma penitência; e o que era para despachar em cinco dias demorou quase quinze semanas. Creio que valeu a pena. Adiar pode compensar!

Galeria: Seleção de obras maneiristas

André Soares em Viana do Castelo

Por Eduardo Pires de Oliveira

Na última conversa ao telemóvel com o Eduardo Pires de Oliveira estava a ler o livro André Soares em Viana do Castelo, que repousava, com os óculos, na cama. Sugeriu-me que tirasse uma fotografia

A repetição faz parte da poesia, da música e da rotina. Assim como da imagem e da decoração. Nada, portanto, como copiar e colar:

“Segundo Marshall McLuhan (A Aldeia Global, 1992), o cérebro divide-se em dois hemisférios: o esquerdo, visual, mais racional, e o direito, acústico, mais emocional. Na Modernidade, prevalece o lado esquerdo” (https://tendimag.com/2023/07/30/barbas-salutares/).

McLuhan também se aventura na seriação da história da humanidade em três idades em função do meio/ambiente de comunicação preponderante: oralidade, impresso e eletrónica. Entre a oralidade e o impresso, intercala-se ainda o manuscrito (sobre as consequências da passagem da oralidade para a escrita, ver Jack Goody, The Domestication of the Savage Mind, 1977). Com a invenção da imprensa e o advento da “galáxia Gutenberg”, o “homem tipográfico” tende a afastar-se da mundividência, caraterística da oralidade, do tribal, do global, do mosaico, da miscelânea, da irregularidade, do paradoxo, do multicentrado, em suma, de um espaço “cujo centro está em toda a parte e a circunferência em parte nenhuma” (Pascal, Blaise, Pensamentos, 1670. Artigo XVII). Passa a inscrever-se num espaço clássico, geométrico, ordenado e sequencial, alvo de uma abordagem individualizada, abstrata, especializada, hierarquizada, objetiva, focada, linear, analítica e classificatória. Com os novos meios de comunicação, tais como a rádio e a televisão, começa uma nova idade, a “galáxia Marconi”, em que prevalece o audiovisual. Neste novo ambiente ressurgem propensões e formas que lembram a idade da oralidade, principalmente o “homem tribal” da “aldeia global” (Marshall McLuhan, The Gutenberg Galaxy: The Making of Typographic Man, 1962).

De acústico e visual, de eletrónico e tipográfico, de tribal e individual, todos temos um pouco. Cada qual a seu jeito. Quer-me parecer que o Eduardo Pires de Oliveira consegue alterná-los, oscilando entre ambos os registos. Nas conversas e nas visitas guiadas emociona-se, dispersa-se, idealiza e opina. Entusiasma-se e entusiasma. Em contrapartida, quando produz um texto de teor científico cinge-se a descrever, classificar e contextualizar sem se dispersar. Disciplina-se e disciplina. A voz do coração e a letra da razão, o amor à arte e o rigor da ciência, lado a lado.

Igreja de São Domingos. Retábulo de Nossa Senhora do Rosário. Fotografia de Adelino Pinheiro da Silva

Eduardo Pires de Oliveira acaba de publicar um livro dedicado a André Soares em Viana do Castelo. Incide sobre os retábulos da Igreja de São Domingos, da Igreja da Senhora da Agonia e da Capela das Malheiras. Pelo caminho, apresenta “o mais importante artista português do tardobarroco e do rococó (…) sem par quer em Portugal, quer na Europa do seu tempo”. Dá-nos a conhecer, de forma detalhada, aprofundada e circunstanciada, a “obra do mestre” através do olhar de um especialista, sem derivas nem fabulações. A “voz do coração” e da paixão pela arte ficam à porta, resumindo-se à nota introdutória (“O porquê deste livro”) ou aguardam pela saída, despedindo-se no “Encerramento”. Quando muito, insinua-se algum incómodo perante a atribuição demasiado apressada, e provavelmente falsa, do desenho da capela das Malheiras a André Soares. Não sendo, efetivamente, da autoria de André Soares, pode estranhar-se que lhe seja dedicado um capítulo inteiro. Na verdade, a caraterização da capela torna-se imprescindível à demonstração da nova interpretação proposta. Acresce que André Soares não está apenas presente na materialidade dos retábulos mas também na mente, ajustada ou equivocada, das pessoas, nomeadamente dos “entendidos”. Nesta perspetiva, a parcimónia do título do livro não deixa margens para dúvidas: André Soares em Viana do Castelo, nem mais, nem menos. Para além da obra, abrange a figura.

Igreja da Senhora da Agonia. Retábulo-mor. Fotografia de Adelino Pinheiro da Silva

Está prevista uma visita guiada às obras de André Soares na cidade de Viana do Castelo no sábado dia 16 de setembro. Começará às 14:30 na Igreja da Senhora da Agonia, passará pela Igreja de São Domingos e terminará na Capela das Malheiras, onde será promovido um novo lançamento do livro. Será uma oportunidade para surpreender a outra face do Eduardo Pires de Oliveira, mais pródiga, veemente, interativa e envolvente.

Segue um pdf com excertos do livro André Soares em Viana do Castelo, nomeadamente a capa, a ficha técnica, a nota introdutória “O porquê deste livro”, o capítulo 1 sobre o André Soares, o capítulo 4 dedicado à Capela das Malheiras, uma seleção de imagens, o “Encerramento” e o Índice.

Imagens da pobreza (com ilustrações e comentário)

Só dei conta, por lapso pessoal, que era suposto escrever o artigo “Imagens da pobreza” (para o jornal Correio do Minho, de 17/06/2023) quando me foi solicitado para edição. Tive que o redigir texto de um dia para o outro. Ultrapassado o limite de 5000 carateres, considerei-o concluído. Ficou incompleto? Sobram sempre assuntos para desenvolver. Mas neste caso, além de incompleto, o texto resultou desequilibrado, tanto no que respeita ao conteúdo como, mais grave, à abordagem. Justifica-se uma crítica. Seguem:

  • O artigo “Imagens da Pobreza”, publicado no jornal Correio do Minho, de 17 de junho de 2023;
  • Uma galeria de imagens correspondente ao artigo “Imagens da Pobreza”;
  • Uma (auto)crítica do artigo “Imagens da Pobreza”;
  • Uma galeria de imagens correspondentes ao texto de crítica do artigo “Imagens da Pobreza”.

A contradição costuma fazer parte da arquitetura do imaginário: a um ponto tende a corresponder um contraponto. No presente artigo, proporcionou-se a pobreza surgir apenas como um mal (necessário, lamentável ou compreensível). De modo algum, como algo positivo. Existem, contudo, imagens favoráveis à pobreza e aos pobres. Por exemplo, algumas vertentes do cristianismo, a começar pelos atos e palavras do próprio Jesus Cristo, que, “sendo rico se fez pobre” (2 Coríntios 8:9): “Se queres ser perfeito, vai, vende teus bens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu” (Mateus 19:21); “E ainda vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus” (Mateus 19:24). Contam-se às dezenas as passagens da Bíblia que não só apregoam a defesa dos pobres como valorizam a pobreza, por exemplo “Levanta do pó o necessitado e do monte de cinzas ergue o pobre; ele os faz sentar-se com príncipes e lhes dá lugar de honra” (1 Samuel 2:8). Os eremitas, sobretudo dos séculos III a IV e XII a XIII, buscam no isolamento, no despojamento e no desprendimento uma aproximação ao divino e uma condição de salvação. A pobreza e o isolamento extremos propiciam a resistência às diferentes formas de tentação e vício, bem como uma dedicação exclusiva a Deus. Santo Antão é, porventura, a figura mais notória. Descendente de uma família cristã rica do Egipto do século III, deu tudo aos pobres e retirou-se no deserto. Maria Madalena precedeu-o: contra o fim da vida, no deserto, despojada, inclusivamente sem roupa, era “alimentada espiritualmente pelos anjos” (“Maria Madalena: O Corpo e a Alma”: https://tendimag.com/2015/02/09/maria-madalena-o-corpo-e-a-alma/). Enfim, aponta no mesmo sentido o “voto de pobreza” caraterístico das ordens mendicantes, tais como os franciscanos, dominicanos, agostinianos e cartuxos.

Resta incontornável a questão: que tipo de pobreza é a pobreza voluntária?

André Soares em Viana do Castelo

O próximo sábado oferece uma excelente oportunidade para saborear um folhadinho de camarão aquecido, revisitar a Igreja de Nossa Senhora da Agonia sem ser para trabalhar, folhear as imagens de um belo livro, ouvir o Eduardo Pires de Oliveira e jantar à beira-mar.

No próximo dia 17 de junho (sábado), na Igreja de Nossa Senhora da Agonia (Viana do Castelo), pelas 17.30 horas, é apresentado o livro “André Soares em Viana do Castelo”, de Eduardo Pires de Oliveira. Nesta publicação, o autor dá nota do conjunto excepcional de retábulos deixados pelo arquiteto setecentista na cidade Viana do Castelo, nomeadamente o da capela de Nossa Senhora do Rosário, na Igreja de São Domingos, o da Capela da Casa da Praça e os que se mantêm na nave e capela-mor da Igreja de Nossa Senhora da Agonia. A edição de autor, composta por 254 páginas, apresenta fotografia de Adelino Pinheiro da Silva, Ricardo Janeiro e Agnès de Gac e inclui um estudo do douramento do Retábulo de Nossa Senhora do Rosário, assinado por cinco investigadores na área da Conservação e Restauro. 

Eduardo Pires de Oliveira, reputado investigador de História da Arte e especialista em André Soares, é doutorado em História de Arte pela Universidade do Porto, Investigador Integrado no ARTIS, Académico Correspondente da Academia Nacional de Belas Artes (Lisboa) e autor de centenas de estudos sobre Arte e a região minhota.

A organização do evento é do Centro de Estudos Regionais, constando no programa a atuação do Coro desta associação cultural.

Muito nos honraria se aceitasse o nosso convite.

José Carlos Magalhães Loureiro

Afinidades entre maneiristas e surrealistas

Nas últimas décadas não publiquei os resultados da maior parte das investigações. Alguns apontamentos no blogue Tendências do Imaginário e um ou outro artigo por convite foram as exceções. Acumulei, entretanto, “legos” de conhecimento. Dando a vida voltas, entendo, agora, partilhá-los. Encetei várias conversas, montagens dos referidos legos: “Amor e morte nas esculturas funerárias”, em outubro, “Apontamentos sobre o ensino da arte” e “O olhar de Deus na cruz: o Cristo estrábico”, em novembro, “Vestir os nus: censura e destruição da arte”, em fevereiro e “A ambivalência do crime na arte”, em maio. “Antepassados do surrealismo: O Maneirismo, será a próxima, no dia 27 de maio, às 17 horas, no Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa. Outras se seguirão, a um ritmo, previsivelmente, mais razoável.

“Antepassados do surrealismo: o maneirismo” perspetiva-se como uma conversa que convoca as principais componentes de um percurso que acumulou e montou, décadas a fio, um conjunto apreciável de legos resultantes de uma investigação caprichosa mas persistente. Associam-se-lhe textos emblemáticos, tais como “O delírio da disformidade” (2002); “Vertigens do barroco” (2007); “Dobras e fragmentos” (2009); e “Como nunca ninguém viu” (2011). Em suma, sintetiza, identifica, motiva e expõe, em jeito de balanço a partilhar.

À maneira das obras abordadas, a conversa deseja-se mais um espetáculo do que uma lição. Inspira-se mais na arte do que na ciência. Portanto, menos espírito de missão e mais instinto de prazer, próprio e alheio. Sobrará, mais ou menos a propósito, tempo para músicas, videoclipes e anúncios publicitários. O conteúdo essencial radica, porém, numa mão cheia de apresentações que confrontam artistas, por um lado, do auge do maneirismo da segunda metade do século XVI (e.g. François Desprez, Wenzel Jamnitzer, Lorenz Stoer, Giovanni Battista Braccelli e Giuseppe Arcimboldo) e, por outro, das vanguardas da primeira metade do século XX, mormente surrealistas, proto-surrealistas e, de algum modo, associáveis (e.g. Giorgio di Chirico, Max Ernst, René Magritte, Salvador Dali, mas também Pablo Picasso, Kasimir Malevich ou Mauritis C. Escher).

Cristalizar parte substantiva de uma vida num momento é aposta arriscada. Para partilhar, convém ser mais que um. Será grato contar com a sua presença.

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Dos quatro textos mencionados, aproveito para adicionar os três não disponibilizados no Margens:

– “O delírio da disformidade: O corpo no imaginário grotesco”, Comunicação e Sociedade, Vol. 4, 2002, pp. 117-130;

– “Vertigens do presente: A dança do barroco na era do jazz, in Mata, Aida Maria Reis da; Gonçalves, Albertino, Ferreira, Ângela Mendes & Pereira, Luís da Silva (2007), Vertigens do barroco em Jerónimo Baía e na actualidade. Edição: Mosteiro de São Martinho de Tibães.

– “Dobras e fragmentos: A turbulência dos sentidos na publicidade de automóveis”, in Gonçalves, Albertino (2009), Vertigens: Para uma sociologia da perversidade. Coimbra: Grácio Editor, pp. 47-90.

Crime e Arte

Bernardino Mei. Orestes matando Egisto e Clitemnestra. 1654

A religião do crime envenena tanto quanto a da virtude

Laure Conan (1845 – 1924)

Nos últimos dias, desapareci praticamente das redes sociais. Estou a preparar duas comunicações: uma para o Seminário Crime e Arte, no dia 15 e 16 de maio, terça, no Auditório Nobre da Escola de Direito da Universidade do Minho, intitulada “A ambivalência do crime na arte”, com duração prevista de 20 minutos, a outra, que mais me (pre)ocupa, no dia 27 de maio, sábado, no Auditório do Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa, intitulada “Os antepassados do surrealismo: o maneirismo”, que ultrapassará os 60 minutos. Absorve-me a construção dos elementos audiovisuais: em consonância com o tema, vai relevar mais de um espetáculo do que de uma conversa, mais parente da arte do que da ciência. Prevê o visionamento de seis apresentações com fundo musical, bem como de videoclips, anúncios e publicações originais dos séculos XVI e XVII.

Anexo o cartaz do III Seminário Crime e Arte, Aproveito o ensejo e o intervalo para acrescentar o vídeo musical da canção “Bonnie and Clyde”, de Serge Gainsbourg e Brigitte Bardot (1968).

Serge Gainsbourg & Brigitte Bardot. Bonnie and Clyde. Serge Gainsbourg, Initials B. B., 1968 / Serge Gainsbourg & Brigitte Bardo, Bonnie and Clyde, 1968.

As Casas-Museu ou o privado versus público

Falar das Casas-Museu é viajar pela fronteira entre o espaço privado – a Casa – e o espaço público – o Museu. É partir da nossa atração natural pelo domínio do particular e da intimidade e estendê-lo ao domínio público pelas valências da conservação, do estudo e da memória. A curiosidade pelo ambiente doméstico e privado da casa, a sugestão de aproximação intimista ao outro, ao interior dos seus sentimentos e da sua mente, suscita o interesse coletivo e assim se transforma o espaço e a memória pessoais numa memória pública. Tratando-se de espaços de vida que retratam não só a vida quotidiana e a personalidade de quem lá viveu, mas também o seu enquadramento na época, na sociedade, na região, estão assim criadas as condições para o seu interesse histórico e a sua função cultural. Pelos objetos e pela sua disposição e enquadramento, poderá perceber-se como se organizava a vida doméstica e o quotidiano numa determinada época ou cultura, ou então os gostos e as profissões de quem lá viveu.

Não se trata de uma mera acumulação museográfica de objetos históricos, pois neste caso o local não teria grande importância. Trata-se antes de vivências concretas que retratam formas de vida num determinado sítio com uma também determinada organização social e política, quantas vezes até, psicológica.

Na casa-museu a memória pessoal (componente imaterial) é sempre o elemento aglutinador de um diálogo entre os objetos (o material) e a casa (o imóvel). Um ambiente privado e íntimo cria um fascínio especial capaz de pôr a imaginação a trabalhar e atrair um público despertando-lhe sentimentos e memórias que no dia a dia lhe escapam. A casa-museu conta histórias de pessoas num ambiente humano de fácil apreensão e emoção.

Predominantemente a casa-museu está relacionada com uma individualidade de vulto no campo das artes, da cultura, da finança, da aristocracia, da ciência ou da tecnologia, promovendo um símbolo de identidade nas populações locais e provocando nestas um sentimento de orgulho.

Noutros casos, porém, são preservadas casas de pessoas simples, muitas vezes representativas de momentos históricos, ou de grupos sociais e modos de vida de determinado local ou região como é o caso das Casa-Museu de carácter etnográfico. Há casas-museu de pessoas comuns que contam a história da vida quotidiana coletiva, de imigrantes ou de trabalhadores de ofícios que ajudam a preservar a história e a cultura de uma determinada época e lugar, as tradições e costumes de um povo. Estas casa-museu podem ser tão interessantes quanto as de figuras históricas ou personalidades famosas.

Citando alguns exemplos de casa-museu famosas ao redor do mundo poderemos referir o Museu Van Gogh em Amsterdão, o Museu Frida Kahlo na Cidade do México ou, em Lisboa, a Casa-Museu Fernando Pessoa. Enfim, mais próximo de nós, o Palácio dos Biscainhos em Braga, como testemunho de uma casa da aristocracia urbana do século XVIII, com o seu mobiliário, pinturas, esculturas, objetos de arte.

Pelo impacto que teve em nós, testemunho de complexidade e, simultaneamente, de integração de referências universais num propósito deste tipo, destacamos, o exemplo da Casa Fortuny no Campo San Beneto, em Veneza, que tivemos o privilégio de visitar recentemente (fotos).

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O artista e designer espanhol Mariano Fortuny (1871-1949), natural de Granada e de uma família de artistas, adquiriu a casa gótica veneziana, construída no século XV, transformando-a no seu estúdio e residência pessoal a partir de 1902. Após a morte de M. Fortuny, a casa foi mantida pela família e, em 1975, foi aberta como um museu, exibindo muitos dos móveis por si criados, bem como uma grande coleção das suas pinturas, desenhos, fotografias e roupas. Numas salas podemos ver as suas famosas criações de moda, noutras os quadros pintados por ele, as esculturas, as estamparias em tecidos, as fotografias, o design de lâmpadas e lanternas, os cenários para teatro e cinema que ele também criou. Mas, sobretudo, participamos dessa ambiência compósita de modelação entre o ocidente histórico e os orientalismos venezianos, que se projetam quer na decoração da casa – os contrastes de luz, com os seus reflexos interiores ou a brisa ondulando os longos cortinados – quer nas vistas sobre os telhados da cidade e a sua atmosfera.

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Atualmente, a Casa Fortuny é uma das principais atrações culturais de Veneza. O Museu Fortuny é uma grande oportunidade de conhecer a extraordinária vida do versátil e inovador Mariano Fortuny e mergulhar no seu tempo, além de visitar um palácio veneziano muito bem conservado. 

Já no que respeita a Casas-Museu que através das histórias e das memórias de pessoas simples nos permitem conhecer o passado ou preservar tradições, podemos dar exemplos não menos significativos. É o caso da Casa de Anne Frank em Amesterdão onde é possível conhecer a história da família e o diário que Anne escreveu enquanto permaneceu escondida da ocupação nazi. Ou do Tenement Museum, nos Estados Unidos, que conta a história de imigrantes nos prédios residenciais onde viveram, entre o final do século XIX e o século XX, mostrando as suas durascondições de vida na época. Outro exemplo é a Casa-Museu do Sertanista em Botucatu, em S. Paulo, no Brasil, situado na residência do sertanista Cândido Rondon, um dos principais desbravadores do interior do Brasil no início do século passado, onde se pode conhecer uma coleção de artefactos, fotografias e documentos que retratam a vida e a cultura dos povos indígenas do sertão brasileiro.

Em território português apresentamos o exemplo da Casa-Museu dedicada ao pescador da Nazaré que representa a casa típica da família de um pescador nazareno, ligada à venda de peixe nas décadas de 1930-1950, com utensílios e mobiliário representantes da arte da pesca. Ou o exemplo da Casa-Museu de S. Jorge da Beira, casa típica da região da Covilhã, em xisto, que retrata as formas de vida dos habitantes da vila no passado.

Existem muitas outras Casas-Museu em todo o país mas, como nos diz António Pontes ao analisar a diversidade das Casas-Museu em Portugal e a sua integração nas propostas de classificação internacional, o seu número é muito reduzido já que, sob a capa de casas-museus se encontravam museus de diferentes tipos: “as casas-museu não podem ser consideradas como as instituições que salvaguardarão unidades de coleção ou memórias indiferenciadas, devendo antes ser consideradas unidades museológicas com referências especiais, para preservar memórias de pessoas especiais” A. Pontes (2007).

Ana Maria Macedo, Maio 2023

Ana Maria Macedo, doutorada em Estudos Culturais (2019) pela Universidade do Minho em parceria com Universidade de Aveiro, na área de Sociologia da Cultura, é investigadora do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS). Entre as suas publicações destacam-se as obras: Família, Sociedade e Estratégias de Poder (1750-1830): A família Jácome de Vasconcelos da Freguesia de S. Tiago da Cividade, Braga (1996) e Memórias e diário íntimo de um fidalgo bracarense (1787-1810) (2013).