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Celebração dos 50 anos do 25 Abril em Melgaço

Abril é o mês da nossa revolução. Melgaço vai comemorar com um programa digno de menção. Seguem o cartaz e as atividades previstas. Para uma descrição mais detalhada, carregar no link: celebramos 50 anos do 25 de abril).

A simulação da moral (do blogue Tendências do Imaginário)

Albertino Gonçalves

Giovanni Buonconsiglio. Aristóteles e Fílis. Circa 1500-1515.

«Mais quero asno que me leve, que cavalo que me derrube» (Gil Vicente, Farsa de Inês Pereira, 1523).

Manifestam-se cada vez mais frequentes os anúncios que aderem ao formato patente no anúncio russo Born Inclusive, da Naked Heart Foundation. Creio que se inspiram, por um lado, na sofisticação (quase) laboratorial da psicologia experimental e, por outro, na vulgaridade mediática dos “apanhados”. Não duvido que sejam eficientes e convincentes, mas comportam uma característica que me provoca algum ceticismo e renitência. Encenam situações ideais que tendem a afastar o ruído ambiente, as intromissões, eventualmente imprevisíveis, dos efeitos “parasitas”, por outras palavas, da contingência das variáveis e dos fatores que os sábios apelidam “espúrios”. Arrefecem a efervescência da vida, propendem a pintar o mundo a preto e branco: o certo e o errado, o bom e o mau… Uma simplificação sedutora. Convoco a máxima do sofista Protágoras, “O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são”, e o pensamento de Pascal, a medida do homem é turbulenta, incerta e infinita. Lutar por um mundo melhor não significa caricatura-lo e descolori-lo. A redução maniqueísta e monocromática não me parece uma perspetiva apropriada, não é uma promessa auspiciosa.

Demasiado cínico? Estou em crer que mais vale cínico do que estúpido. “O indivíduo estúpido é o tipo de indivíduo mais perigoso”; “o indivíduo estúpido é mais perigoso do que o bandido; ” “É estúpido aquele que desencadeia um prejuízo para outro indivíduo ou para um grupo de outros indivíduos, embora não tire ele mesmo nenhum benefício e eventualmente até inflija prejuízo a si próprio” (Carlo Cipolla, Allegro ma non tropo, 1988).

Anunciante: Naked Heart Foundation. Título: Born Inclusive. Agência: Marvelous. Direção: Maksim Kolyshev. Rússia, março 2020.

Este comentário é, de algum modo, injusto para com o anúncio de sensibilização Born Inclusive, da Naked Heart Foundation. Trata-se de um exemplar de marketing e publicidade e como tal deve ser avaliado. Carece ser encarado à luz da linguagem do marketing e da publicidade e não de outra linguagem, por exemplo, a linguagem externa da filosofia e da sociologia. Neste sentido, este comentário apresenta-se como uma crítica “bárbara”, uma violência simbólica, na aceção de Pierre Bourdieu. Cai na falácia de impor um sistema de relevâncias, estranho, a outro sistema de relevâncias, original, francamente distinto. Do ponto de vista do marketing e da publicidade, este anúncio, criativo, consistente, pedagógico e eficaz, resulta excelente. Acerta no alvo: a predisposição para a discriminação não nasce connosco, é fruto da socialização primária, da endoculturação. Um pressuposto que vai de encontro a Rousseau (“A natureza faz o homem feliz e bom, mas (…) a sociedade degenera-o e o torna-o miserável”: Dialogues, 1772-1776) e a Durkheim (“A sociedade encontra-se portanto, a cada nova geração, na presença de uma tábua quase rasa sobre a qual é necessário construir a novo custo”: Éducation et sociologie, 1922).

Hieronymus Bosch. Removing the Stone of Stupidity. Detail. 1475-1480.

Acontece que um anúncio, para além de orbitar na esfera do marketing e da publicidade, não deixa de ser um fenómeno social. É composto por raízes (contexto), caule (suportes), ramos (redes e canais), folhas (ações) e sementes (efeitos) sociais. Não se pode escusar a uma leitura filosófica e sociológica, por mais corrosiva e cínica que seja. No que me respeita, não me inibo de ler nas entrelinhas de quaisquer modalidades de comunicação, principalmente aquelas que se são grávidas de consequências, quando não de efeitos perversos subliminares que não passam pelo crivo da consciência e do raciocínio avisados e oportunos.

Natais há muitos. Boas festas!

Por Miguel Bandeira

Recente, ainda quase sem visitantes, o blogue Margens faz questão de desejar boas festas. O “postal”, alusivo à cooperação internacional, é do Miguel Bandeira e o texto, atento à diversidade de mundivivências do Natal, da Rita Ribeiro. Abordam o reverso da atual encenação artificial da felicidade: a solidão e o sofrimento de parte substantiva da população. Temas pouco habituais neste tipo de mensagens. Convém, todavia, recordar que este reverso menosprezado foi outrora a principal vocação do Natal: a solidariedade e a partilha de modo a preservar a coesão social. Nas sociedades agrárias, a falta de cereais sentia-se já pelo Natal e ameaçava a sobrevivência até às próximas colheitas. Morria-se mais de fome. À semelhança de outras festas de inverno, como o S. Martinho, o São Nicolau ou os Reis, o “espírito natalício” assegurava um mínimo de redistribuição de bens em benefício dos mais carenciados. Não tinha Cristo prescindido da sua gloriosa divindade para vir ao mundo como um ser humano humilde e vulnerável? Importa não desviar o olhar, até porque o momento talvez seja de inflexão civilizacional e os ventos desaconselhem consumismos, desperdícios, descuidos e soberbas.

Para acompanhar, descontraidamente, o postal do Miguel Bandeira e o texto da Rita Ribeiro, segue uma pequena compilação de cânticos de Natal, interpretada pelo Ensemble Obsidienne.

Ensemble Obsidienne. Cânticos de Natal do século XV. Ao vivo. Le Magazine, 29.04.2015