CiNEMAS

Foi recentemente lançada pela AO NORTE a CiNEMAS, uma revista eletrónica dedicada à reflexão crítica em torno do cinema, da escola e do cineclubismo. Com tiragem semestral, e acompanhando as atividades da Associação AO NORTE. CiNEMAS tem a direção de Daniel Maciel e, na Comissão Editorial, contou com a colaboração de Gláucia Davino e Teresa Norton Dias.
Do editorial deste primeiro número, respigamos um excerto:
“(…) É neste espírito de aprendência que lançámos a publicação que se segue, produzida a partir de contribuições de gente que de alguma forma se vai cruzando com a AO NORTE e nos presenteia com reflexões, questões, projectos, e experiências várias. A edição 1 da CINEMAS condensa assim uma multiplicidade de perspectivas, tonalidades de análise e temas, texturas sensoriais, abrindo-nos a curiosidade em várias frentes e motivando-nos para o movimento de aprendência que provocou a organização dos Encontros de Cinema de Viana, das várias actividades da AO NORTE e dos cineclubes em geral, assim como o lançamento desta mesma publicação. Permitamo-nos este acto existencial, talvez egoísta, mas não sendo por isso menos edificante, de procurarmos o questionamento que alimenta esta aprendizagem activa”.
Vacinas do Pensamento
Entrevista a Álvaro Domingues
Importa imaginar para conhecer. Descolar da realidade para a descobrir. Desviar-se do rigor ruminante da “ciência normal” (Thomas S. Kuhn). E namorar a filosofia, as letras, as artes… Resgatar, até, o senso comum. Trata-se de uma opção que tem a virtude de franquear outras janelas para outros mundos, os “mundos da vida”. Sem eclipsar nem o “coeficiente humanístico” (Florian Znaniecki) nem a “dimensão acústica” (Marshall McLuhan) da experiência social. Quantos sociólogos podem rivalizar, por exemplo, com Marcel Proust ou Thomas Mann no retrato da ritualização quotidiana ou com Francisco de Goya na figuração do poder?

Álvaro Domingues assume-o. Instado por Diniz Cayolla Ribeiro a selecionar algumas obras chave para o entendimento da realidade contemporânea, convoca Todos os Nomes (1997), de José Saramago, Os Transparentes (2012), de Ondjaki, Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico (1945), de Orlando Ribeiro, e a poesia de Rui Lage. Dois romancistas, um poeta e um geógrafo, o mais literário e criativo dos cientistas sociais portugueses.
O Álvaro, excelente conversador, é um provocador inspirador e sedutor. Também um excelente parceiro de percurso. Inquieto e atento, mas ancorado num fundo seguro e sereno, lembra um todo-o-terreno com suspensão Rolls-Royce a palpitar paisagens adormecidas. É um explorador, um cúmulo de “serendipidade”, um rastreador de fenómenos “inesperados, anómalos e estratégicos” (Robert K. Merton). Não hesita em tentar os limites! No rio, não bastam as águas pasmadas da pesqueira, deixa-se levar pelas correntes revoltas; na praia, escala falésias escarpadas; e na serra, não há tojal que o demova. Quem não ousar acompanhá-lo, que se entretenha à espera. O Álvaro é assim! Sente-se na sua pele tanto só como acompanhado, tanto a idealizar como a concretizar.
Entretanto, a vida continua e a sabedoria já não é o que era. Desafina, senta-se cada vez menos nos coros e nos cadeirais institucionais. “Pelo sonho é que vamos (…) Chegamos? Não Chegamos? – Partimos. Vamos. Somos” (Sebastião da Gama, Sonho, in Pelo Sonho é que Vamos, 1953).
Vozes na Língua da Maré

Há uma espécie de homens-peixe que, se não veem o mar todos os dias, deixam de respirar. Ou dito de outra forma, que só deixam de ir ver o mar quando já não respiram. Esta forma de simbiose herdei-a dos meus antepassados, que até ao meu pai foram pescadores. O meu irmão ainda calça essas botas, que a mim não me serviram, o que me tornou terrenho, fisicamente distanciado da vida que levam para lá da língua da maré: linha de onde os que ficam se despedem dos que vão, aguardando a sua chegada.
Regresso sempre que posso a essa fronteira mutável, que balança com os humores da lua, do vento, e do mar. Ela é a metáfora de uma vida passada em escuta, de ganha-pão na mão, à procura, na boca salgada da minha gente, de palavras que, presas numa memória de malha apertada, se não esqueçam. É metáfora de uma vida à procura, nessa linha e nessas histórias que a ela arribam, de um cabo de amarração, de uma âncora, que me segure, que nos segure a todos, a um lugar.

Na Língua da Maré é metáfora de uma vida à procura, nessa linha e nessas histórias que a ela arribam, de um cabo de amarração, de uma âncora, que me segure, que nos segure a todos, a um lugar.
Comecei na praia dos meus avós nas Caxinas, em Vila do Conde, onde há um farol que não alumia nada nem tem, já, barco algum para alumiar, mas que continua a guiar-nos àquele areal. Ali conheci outros rostos atentos ao mesmo horizonte, e ali fundamos e fundeamos, há quase uma década, uma associação cultural, a Bind’ó Peixe, uma pequena catraia cuja companha vem lançando redes a um património em construção.

Em 2014, a Mútua dos Pescadores ajudou-nos a recriar, por umas horas, o tempo em que os barcos ainda chegavam à nossa praia, repetindo, com esse gesto, o empenho que coloca na promoção e apoio a uma miríade de iniciativas de valorização da cultura marítima, um pouco por toda a costa onde estão as comunidades que constituem, desde sempre, a sua razão de ser. Para um primeiro encontro, tão marcante ele foi, não poderia ter sido mais feliz.
No início de 2022 recebi um convite para escrever um livro para o 80.º aniversário desta cooperativa de seguros. Desejava-se, à partida, que ele refletisse o universo em que a instituição navega e, após uma primeira ponderação, considerou-se que a obra ganharia se, para além de textos, pudesse incluir fotografia. Helder Luís, artista, designer e fotógrafo que tem, nos últimos anos, produzido e editado importante obra sobre a pesca, a partir da Póvoa de Varzim, onde nasceu e atualmente vive, foi então convidado a participar na concepção e produção deste projeto.
Cada um à sua maneira, temos sido, promotor e autores, vozes da língua da maré: a Mútua, com as reflexões que produz na sua revista, nas campanhas e nos encontros que promove; Helder Luís, com livros como Atlântico, de 2019, e Sardinha, publicado já em 2023; e eu, que, em 2022, com a Bind’ó Peixe e outras entidades, concebi e coordenei editorialmente o projeto Rostos da Maré, com histórias de vida que cruzam os territórios de Matosinhos, Póvoa de Varzim e Vila do Conde, de que resultou um livro homónimo editado pela Área Metropolitana do Porto.
Inspirado em escritores como Bernardo Santareno (Nos Mares do Fim do Mundo), Ramalho Ortigão (As Praias de Portugal) ou Raul Brandão (Os Pescadores), há muito que aguardava uma aberta para me fazer a este mar num registo cronístico, cruzando observações, notas e depoimentos obtidos nos territórios da pesca com reflexões geradas por décadas de dedicação à cultura marítima. Poder fazê-lo, finalmente – mesmo sendo, como se notará, um verde de primeira viagem num banco de pesca frequentado por algumas das primeiras linhas da nossa literatura –, era uma oportunidade que não podia recusar.

Para este projeto estivemos em várias comunidades da beira-mar de Portugal continental, dos Açores e da Madeira, procurando testemunhos e sinais da relação desses lugares, e dos seus habitantes, com a pesca e com outras atividades marítimas, umas em claro recuo, outras a ganhar espaço na nossa economia. E com este livro, queremos principalmente apontar a atenção de quem o venha a folhear para um país em que o Atlântico, mais do que uma fronteira, para muitos de nós se mantém como extensão natural de um território físico e espiritual. A safra que desta viagem trazemos, não sendo, de todo, exaustiva, reflete, julgamos, no nosso trabalho documental e criativo, muita da diversidade de experiências que o mar, em Portugal, suscita.
Limitado pelo tempo disponível e pela vontade de publicar este livro ainda em 2022, no fecho das comemorações do octogésimo aniversário da Mútua, este roteiro acabou por deixar de fora vários portos, uns maiores, outros mais pequenos, onde vive gente e se desenvolvem atividades de inegável contributo para um retrato mais aprofundado da nossa maritimidade, passada e presente. São lugares e comunidades a que esperamos, noutros projetos, poder regressar, à procura de outras vozes da língua da maré.
Este texto é uma versão, com ligeiras adaptações, da introdução ao livro na Língua da Maré, de Abel Coentrão e Helder Luís. Uma edição Mútua dos Pescadores distribuída pela Âncora Editora.
As novas sereias. Encantos de espantar

Numa atmosfera eivada de exotismo e exuberância, os sentidos almofadados entregam-se ao ecrã das surpresas programadas (Albertino Gonçalves, instalação “cápsulas de emoções”, exposição Vertigens do Barroco, Mosteiro de Tibães, 2007)
Estiveram abertas até ao dia 10 de março as candidaturas para o concurso New York Festivals Advertising Awards, organizado em parceria com a BCW (Burson Cohn & Wolfe, empresa multinacional de relações públicas e comunicação, com sede em Nova York). A “chamada” desafia os candidatos a exibir algo nunca antes visto (“Show Us Something We Haven’t Seen”), capaz de impressionar e contrariar a saturação dos nova-iorquinos e dos profissionais de publicidade. Algo, ao mesmo tempo, espantoso e memorável.


“A New York Festivals (NYF) desenvolve, desde 1957, a nível mundial, uma atividade que convoca o espírito de rutura e de vanguarda caraterístico da cidade (…) A campanha de promoção reúne fotógrafos da cidade de Nova York cujas imagens expressam a vibração urbana de NYC e projetam uma luz reveladora da agitação e da atitude invulgares que alicerçam a excelência criativa em NYC” (Scott Rose, presidente, New York Festivals Competitions).
A campanha de promoção do festival é composta por três posters e um vídeo.
“Como nunca ninguém viu” é o título de um artigo que publiquei em 2011 (in Moisés de Lemos Martins et alii, Imagem e Pensamento, Coimbra, Grácio Ed., pp. 139-165). Corresponde à conferência “A construção do impossível: o espaço nos anúncios publicitários”, apresentada no Congresso Internacional de Ciências da Comunicação, em Braga, em setembro de 2009.
“‘Ver como ninguém viu’, porventura mais do que ver “o nunca visto”, eis a tentação ou, melhor, a proposta que percorre a publicidade atual” (Como nunca ninguém viu, p. 142).
O texto procura argumentar e ilustrar esta intuição. O vídeo “A construção do impossível”, com duração de 20 minutos, acrescenta uma seleção de anúncios ilustrativos. Segue uma primeira versão do texto, não paginada mas com imagens a cores (a versão editada, com imagens a preto e branco, está acessível no seguinte endereço do livro: https://hdl.handle.net/1822/29165), bem como o vídeo complementar. Constam entre os meus trabalhos preferidos, concebidos, aliás, durante um período de deriva da desmotivação da cidade académica para a exploração de trilhos menos consagrados. Menos pontos no currículo e mais realização pessoal. A criação do blogue Tendências do Imaginário, em 2011, constitui um marco e um bom exemplo.
A aposta no assombro, especialmente no nunca visto, cruza-se com duas tendências que atravessam a publicidade. A difícil captação da atenção e influência dos públicos justifica duas rotações: dos produtos para as marcas e do desejo para a adesão. À distinção invejável sobrepõem-se a identificação projetada e a estranheza fácil de entranhar. O foco desliza, assim, por exemplo, do belo e do funcional para o surpreendente e o insólito, que tocam, impregnam e envolvem. Uma espécie de rotinização ou homeopatia do anómalo.
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