Vacinas do Pensamento
Entrevista a Álvaro Domingues
Importa imaginar para conhecer. Descolar da realidade para a descobrir. Desviar-se do rigor ruminante da “ciência normal” (Thomas S. Kuhn). E namorar a filosofia, as letras, as artes… Resgatar, até, o senso comum. Trata-se de uma opção que tem a virtude de franquear outras janelas para outros mundos, os “mundos da vida”. Sem eclipsar nem o “coeficiente humanístico” (Florian Znaniecki) nem a “dimensão acústica” (Marshall McLuhan) da experiência social. Quantos sociólogos podem rivalizar, por exemplo, com Marcel Proust ou Thomas Mann no retrato da ritualização quotidiana ou com Francisco de Goya na figuração do poder?

Álvaro Domingues assume-o. Instado por Diniz Cayolla Ribeiro a selecionar algumas obras chave para o entendimento da realidade contemporânea, convoca Todos os Nomes (1997), de José Saramago, Os Transparentes (2012), de Ondjaki, Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico (1945), de Orlando Ribeiro, e a poesia de Rui Lage. Dois romancistas, um poeta e um geógrafo, o mais literário e criativo dos cientistas sociais portugueses.
O Álvaro, excelente conversador, é um provocador inspirador e sedutor. Também um excelente parceiro de percurso. Inquieto e atento, mas ancorado num fundo seguro e sereno, lembra um todo-o-terreno com suspensão Rolls-Royce a palpitar paisagens adormecidas. É um explorador, um cúmulo de “serendipidade”, um rastreador de fenómenos “inesperados, anómalos e estratégicos” (Robert K. Merton). Não hesita em tentar os limites! No rio, não bastam as águas pasmadas da pesqueira, deixa-se levar pelas correntes revoltas; na praia, escala falésias escarpadas; e na serra, não há tojal que o demova. Quem não ousar acompanhá-lo, que se entretenha à espera. O Álvaro é assim! Sente-se na sua pele tanto só como acompanhado, tanto a idealizar como a concretizar.
Entretanto, a vida continua e a sabedoria já não é o que era. Desafina, senta-se cada vez menos nos coros e nos cadeirais institucionais. “Pelo sonho é que vamos (…) Chegamos? Não Chegamos? – Partimos. Vamos. Somos” (Sebastião da Gama, Sonho, in Pelo Sonho é que Vamos, 1953).
As novas sereias. Encantos de espantar

Numa atmosfera eivada de exotismo e exuberância, os sentidos almofadados entregam-se ao ecrã das surpresas programadas (Albertino Gonçalves, instalação “cápsulas de emoções”, exposição Vertigens do Barroco, Mosteiro de Tibães, 2007)
Estiveram abertas até ao dia 10 de março as candidaturas para o concurso New York Festivals Advertising Awards, organizado em parceria com a BCW (Burson Cohn & Wolfe, empresa multinacional de relações públicas e comunicação, com sede em Nova York). A “chamada” desafia os candidatos a exibir algo nunca antes visto (“Show Us Something We Haven’t Seen”), capaz de impressionar e contrariar a saturação dos nova-iorquinos e dos profissionais de publicidade. Algo, ao mesmo tempo, espantoso e memorável.


“A New York Festivals (NYF) desenvolve, desde 1957, a nível mundial, uma atividade que convoca o espírito de rutura e de vanguarda caraterístico da cidade (…) A campanha de promoção reúne fotógrafos da cidade de Nova York cujas imagens expressam a vibração urbana de NYC e projetam uma luz reveladora da agitação e da atitude invulgares que alicerçam a excelência criativa em NYC” (Scott Rose, presidente, New York Festivals Competitions).
A campanha de promoção do festival é composta por três posters e um vídeo.
“Como nunca ninguém viu” é o título de um artigo que publiquei em 2011 (in Moisés de Lemos Martins et alii, Imagem e Pensamento, Coimbra, Grácio Ed., pp. 139-165). Corresponde à conferência “A construção do impossível: o espaço nos anúncios publicitários”, apresentada no Congresso Internacional de Ciências da Comunicação, em Braga, em setembro de 2009.
“‘Ver como ninguém viu’, porventura mais do que ver “o nunca visto”, eis a tentação ou, melhor, a proposta que percorre a publicidade atual” (Como nunca ninguém viu, p. 142).
O texto procura argumentar e ilustrar esta intuição. O vídeo “A construção do impossível”, com duração de 20 minutos, acrescenta uma seleção de anúncios ilustrativos. Segue uma primeira versão do texto, não paginada mas com imagens a cores (a versão editada, com imagens a preto e branco, está acessível no seguinte endereço do livro: https://hdl.handle.net/1822/29165), bem como o vídeo complementar. Constam entre os meus trabalhos preferidos, concebidos, aliás, durante um período de deriva da desmotivação da cidade académica para a exploração de trilhos menos consagrados. Menos pontos no currículo e mais realização pessoal. A criação do blogue Tendências do Imaginário, em 2011, constitui um marco e um bom exemplo.
A aposta no assombro, especialmente no nunca visto, cruza-se com duas tendências que atravessam a publicidade. A difícil captação da atenção e influência dos públicos justifica duas rotações: dos produtos para as marcas e do desejo para a adesão. À distinção invejável sobrepõem-se a identificação projetada e a estranheza fácil de entranhar. O foco desliza, assim, por exemplo, do belo e do funcional para o surpreendente e o insólito, que tocam, impregnam e envolvem. Uma espécie de rotinização ou homeopatia do anómalo.
Balada da Aldeia Moída

Em 2020, os dias repetiam-se como litanias. Ora ecrã, ora espelho, reflexos destinados ao nimbo. Ao transferir ficheiros para uma pen, surpreendeu-me o texto “Prado subjetivo: metamorfoses de uma freguesia modernizada”. Acanhado na cave do esquecimento, reli-o. Gesto raro. Encantamento da memória e desencanto do mundo. Estranho e incómodo. Um excesso de objetividade subjetivada, e vice-versa. Um incursão na alma das coisas e um toque nas coisas da alma. Não obstante, entre ecos e ressonâncias, ofereceu-se-me como uma alegoria de muitas outras aldeias inquietas.
Segue “Prado subjetivo: metamorfose de uma freguesia modernizada”, capítulo do livro Quem Somos os que Aqui Estamos: Prado e Remoães (c. Álvaro Domingues). Editado pela União de Freguesias de Prado e Remoães, 2020, pp. 8-17.
Ida e volta a Cucujães
Álvaro Domingues

João de Andrade Corvo (1824-1890) no seu ímpeto de modernização do país arcaico entregue às conveniências de quem detinha o poder e aos interesses de companhias privadas estrangeiras e de alguns capitalistas e industriais do reino, num discurso à Câmara dos Deputados a 6 de Maio de 1867, afirmou: “Eu considero o caminho-de-ferro, não como um instrumento de criação imediata de produto líquido, mas como uma força que se põe ao serviço das diversas indústrias, como se põe uma máquina a vapor ao serviço dos diversos aparelhos, e das diversas máquinas de uma fábrica”. A primeira referência à Linha do Vouga data de 1874 e, como era frequente, a principal justificação era a de ligar regiões agrícolas e mineiras encravadas na exígua mãe-pátria, aos portos atlânticos – neste caso, ligar Viseu, o Vale do Vouga e o de Lafões ao Porto e a Aveiro e à linha do Norte. Pelo caminho haveria termas, fábricas, vilas e povoados, e muitas discussões sobre expropriações e opções de traçado ou de localização e designação de estações e apeadeiros. Onde chegasse o comboio, chegaria a via acelerada para o milagre económico.
Foi um longo ziguezaguear. Nada disposto a alimentar o lado romântico da tecnologia, Paul Virilio já disse que quem tinha inventado o caminho-de-ferro, sem saber, tinha também inventado o descarrilamento; acidentalmente, uma coisa decorre da outra.

A ordem natural das coisas, a perfeição e o desmesurado, os filósofos da Grécia antiga – o homem é a medida de todas as coisas – o palmo, o pé, a polegada, a braça, o pé quadrado… são medidas que os humanos (hoje, dir-se-ia, o homem, a mulher, a diversidade LGBT) inventaram a partir da sua própria concepção do mundo e do lugar central que aí pensavam ocupar. Leonardo da Vinci, inspirado no venerável Vitrúvio, desenhou essas medidas inscrevendo um macho adulto humano de pernas e braços abertos num círculo e num quadrado de idêntica área. As proporções dessa figura modelar ficaram fixadas num padrão matemático e respectivas regras geométricas. Do corpo humano ao universo, havia de caber tudo numa quadratura do círculo, numa medida universal que satisfizesse as pretensões mágicas da espécie em matéria de cogitações sobre-humanas muito úteis para esconder as misérias do mundo e dar espaço ao algoritmo.
Para além da bitola larga, há o metro e o quilómetro, a distância em anos-luz, as galáxias, o nano mícron e outras medidas da era tecnológica que em nada se relacionam com as medidas do corpo – o metro, a partir da de krípton 86, e o segundo, calculado a partir da radiação de césio 133. Sujeito a coima, o homem do Vitrúvio, fechou as pernas porque lhe está vedada a passagem para além da razão unidimensional da eficácia técnica, da racionalidade do mercado, da organização burocrática e do totalitarismo tecnocrata e tecno-lógico. A razão técnica transforma-se em mitologia, e, depois do paraíso e da idade de ouro, a natureza caminha para o pesadelo. É a bitola estreita do mundo, as pernas fechadas, o passo tolhido, o bloqueio. A horta é uma miragem para lá do terreno pedregoso. Em qualquer dissertação sobre jurisprudência, a coima pode ser discutida segundo variadas e refinadíssimas retóricas.

Literalmente, a necrópole é a cidade dos mortos, tal como os monumentos designavam sinais do passado, presenças da ausência dos que já não pertencem ao mundo dos vivos. Por isso é que a cidade dos mortos é monumental. O monumento funerário é um gesto de perpetuação da memória dos mortos. Por sua vez, os documentos correspondem sobretudo a registos escritos que contêm informações muito úteis para os historiadores. Na cultura erudita da Europa do séc. XIX, o termo monumento usava-se também para designar as grandes colecções de documentos. Em latim – a língua morta então preferida -, os Portvgaliae monvmenta historica iniciados por Alexandre Herculano, uma coletânea de textos da História de Portugal, são disso exemplo. Criticando versões fantasiosas da história, Henri Lefebvre escreveu que não há história sem documentos e se os factos históricos não foram registados em documentos escritos ou gravados, esses factos ter-se-ão perdido. Citando outro nome incontornável, Michel Foucault, pode ler-se: (…) o documento não é o feliz instrumento de uma história que seja, em si própria e com pleno direito, memória: a história é uma certa maneira de uma sociedade dar estatuto e elaboração a uma massa documental de que se não separa. Bibliotecas, arquivos e conservatórias são os grandes depositários desse rastreamento do passado que amanhã já terão arquivado coisas de hoje. Em tempos de digitalização acelerada, os arquivos marcham para o infinito.
Sobre isso, Saramago escreveu em Todos os Nomes: Do mesmo modo que todos os cemitérios deste ou de qualquer outro mundo, este começou por ser uma coisinha minúscula, uma parcela breve de terreno na periferia do que ainda era um embrião de cidade, virado para o ar livre das campinas, mas depois, com o andar dos tempos, como infelizmente tinha de ser, foi crescendo, crescendo, crescendo, até se tornar na necrópole imensa que é hoje. Ao princípio esteve todo murado ao redor, e, durante gerações, de cada vez que o aperto lá dentro começava a prejudicar tanto o alojamento ordenado dos mortos como a circulação prática dos vivos, fazia-se o mesmo que na Conservatória Geral, deitavam-se abaixo os muros e levantavam-se um pouco mais à frente. Nada como a boa literatura para nos explicar o mundo.
Deixando a visão geral do cemitério e caminhando pelo dédalo dos monumentos funerários em granito que são a arte já muito industrializada do saber dos marmoristas, encontramos o instante metafórico a que Saramago se refere acerca dos muros derruídos para que a conservatória ou o cemitério cresçam: ao fundo, intensamente iluminado pelo sol está o muro que cerca o cemitério; no primeiro plano, resolve-se o avanço do edifício, sobrepondo, desligando os planos. No meio das sepulturas, a coluna ajuda a perceber a grande dificuldade que as lajes de betão apresentam quando são forçadas a flutuar.

Virá um dia a banalização da cremação e tudo isto poderá tomar outros caminhos. A memória pública dos mortos traduzida em toneladas de pedra polida alinhada na necrópole, poderá esfumar-se em cinzas espalhadas ao vento, nos roseirais, no mar ou em pequenos sarcófagos guardados em casa. Outras versões mais elaboradas usarão fornos sofisticados onde se converterá a matéria carbónica dos cadáveres em pequenos cristais de diamante que se poderão usar como joias onde, fisicamente, os entes queridos permanecem e brilham para todo o sempre. Que seriam os vivos sem os mortos, sem os fantasmas, sem o menor traço da presença de quem já não está. Jean-Didier Urbain – O Arquipélago dos Mortos – lembra que o luto não é apenas um modo de aceitação da morte do outro, aquilo que é necessário integrar é a incerteza que provoca a sua ausência na vida -uma espécie de flutuação. É por essa razão que os lugares do luto são importantes – aqui jaz significa isso mesmo.
Este texto foi produzido no âmbito do projeto À Volta do Vale das Voltas – Programa Integrado de Dinamização Intercultural das Terras de Santa Maria
Palmira
Diana Gonçalves

SINOPSIS CORTA
La vida que transcurre lentamente, repetitiva. Un cuerpo cansado pero a la vez resistente. Y del otro lado de la cámara, la tentativa de encontrar ese instante fugaz que nos revele algo más de la vida. De la observación a la construcción con el propio personaje. Palmira es el retrato de varios encuentros y testigo del proceso y evolución de ese retrato.

SINOPSIS
Palmira, conocida por la mayoría como la abuela de Galicia, fue una de las protagonistas de mi primer documental, Mulleres da Raia. La búsqueda en ese momento era otra, pero desde el día que la vi a través de la ventana, sentí la necesidad de volver para filmarla.
Y así lo hice. Un año después encontré el motivo y el espacio para hacerlo. Palmira es el resultado de 5 años de encuentros promovidos por el laboratorio de creación “El retrato filmado” (Play-doc, Festival Internacional de Documentales de Tui), que dio origen a varios retratos filmados en diferentes momentos y editado en una única pieza años después.
Palmira es el encuentro entre una mujer centenaria y una aprendiz documentalista que a lo largo de los años y durante unos días se reencuentran para construir su retrato. ¿Pero cuál? ¿El de Palmira o el de la documentalista? Sin quererlo inicialmente, ambos.
La vida que transcurre lentamente, repetitiva. Un cuerpo cansado pero a la vez resistente. Y del otro lado de la cámara, la tentativa de encontrar ese instante fugaz que nos revele algo más de la vida. De la observación a la construcción con el propio personaje.
Palmira es el retrato de varios encuentros y testigo del proceso y evolución de ese retrato.
BIOFILMOGRAFÍA
DIANA GONÇALVES (1986)
Nace en Tui en 1986. Licenciada en Comunicación Audiovisual por la Universidade de Vigo (2008). Máster en Comunicación e Industrias Creativas por la Universidade de Santiago de Compostela (2013).

En 2009 produce y realiza su primer documental cinematográfico Mulleres da Raia, que ha recibido varios premios en diversos festivales nacionales e internacionales. En 2010 da sus primeros pasos en la realización televisiva colaborando con la productora Pórtico Audiovisuales en el programa Ben Falado para Televisión de Galicia.
Paralelamente, en el campo de la producción, colaboró con la Agencia Gallega de las Industrias Culturales (AGADIC) en el diseño y organización de varios encuentros del programa CREATIVA, promoviendo el intercambio cultural multidisciplinar entre España y Portugal.
Su trayectoria como productora continuó en el estudio de post-producción sonora cinematográfica Cinemar Films con presencia en mercados internacionales.
En 2010, coordinó la retrospectiva documental “Carlos Velo: Mirar al margen”, siendo programadora de Filminho (Festival de Cine Gallego y Portugués). Asimismo, promovió y desarrolló varios workshops itinerantes en varios centros escolares de Galicia y Norte de Portugal.
Entre 2009 y 2013, fue miembro del laboratorio documental “El Retrato Filmado”, dirigido por Marta Andreu. Más tarde recupera el material y la pieza resultante, Palmira, es su segundo trabajo documental.
Actualmente, combina su faceta de documentalista con su actividad en el mundo de la empresa centrada en el marketing y la comunicación corporativa.
Para mais informação, aconselha-se a consulta da seguinte brochura (5 páginas).
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Albertino Gonçalves
A meus avós galegos Pura e Avelino
“E retratos, retratos espetaculares (…) Rembrandt não compreendia apenas os seus ricos clientes e a imagem que pretendiam projetar de si mesmos, ele também foi um manipulador virtuoso da pintura. Ninguém enxergou melhor a topografia das pálpebras da meia-idade, a oleosidade de um próspero nariz, a lacrimosa membrana vítrea dos olhos, a reluzente tensão de uma testa puxada para trás numa touca de linho. Observe o retrato de uma mulher com 83 anos na Galeria Nacional de Londres. Observe o tecido translúcido da touca alada, as bordas pintadas com uma única pincelada. Observe as suas sobrancelhas e as pálpebras caídas, feitas com pinceladas picantes, a melancolia levemente desfocada, o temperamento de vulnerabilidade pungente, o conjunto a suavizar a face de uma velha raposa, com a certeza ansiosa de que não demorará muito a encontrar o grande contador do céu. Não é, portanto, apenas um pintor, mas um psicólogo da condição humana, não concorda? Em que consiste a obra dos outros grandes vultos, Velásquez, Rubens, Van Dyck? Pintar máscaras, o olhar estudado de princesas e papas. Conhecem de antemão, muito bem, a máscara do dia: decisão marcial, preocupação majestosa, melancolia pensativa. Mas Rembrandt vê por detrás da pose e é isso que contribui para que os seus retratos nos toquem como os de mais ninguém. Podemos ver as pessoas a exibir as suas faces ao mundo. Mas isso não as diminui, antes lhes acrescenta simpatia” (Simon Schama. Rembrandt. Power of Art 3/8. BBC. 2006).
As sequências do filme Palmira, de Diana Gonçalves, recordam-me os retratos de Rembrandt. Entranham-se para além da aparência sem desnudar ou vulgarizar a pessoa.
Palmira convida-nos a acompanhar o quotidiano de uma persona mayor solitária no entardecer da vida. Sem sombra de intrusão ou indiscrição, respira cumplicidade, humildade e respeito. Como quem bate a uma porta aberta. Entra-se, sem máscaras nem tipificações, surpreendendo a naturalidade do banal. Com empatia. Cada sequência oferece-se como uma janela, mas em sentido contrário do habitual: de fora para dentro, do exterior para o interior, com o devido resguardo e recato. Colhidas anos a fio com extremo cuidado, com uma câmara que sente mais do que regista, estas imagens dedicadas à intimidade de uma mulher centenária resultam raras, muito raras. E preciosas. Este filme de Diana Gonçalves é uma dádiva antropológica, uma aproximação ao humano que teima a escapar ao nosso olhar normal: o demasiado humano.




Reencontro biobibliográfico
Albertino Gonçalves

Deparei-me hoje, inesperadamente, online, com o artigo “La emigración portuguesa hacia Francia en la sigunda mitad del siglo XX: breve caracterización”, publicado, em coautoria com José Cunha Machado, na revista Migraciones y Exilios (3-2002, pp. 117-137). Tinha-lhe perdido o rasto, a tal ponto que, aquando do registo no currículo do CIENCIAVITAE, nem sequer lhe soube indicar a paginação. Um lapso obtuso, à luz dos cânones académicos, visto tratar-se de um contributo internacional. Não interessa! Agradeço esta surpresa uma partilha recente do seu tradutor: Benito Bermejo. Tamanha é a satisfação, que entendo partilhar o texto. Um motivo adicional impele. Volvidos vinte anos, retomo o tema da emigração. Na verdade, após um prolongado e quase absoluto retiro, estou a regressar a quase tudo.
Estou a estudar, com o Américo Rodrigues, as migrações em Castro Laboreiro até aos anos trinta do século passado, no âmbito do programa de investigação e intervenção Quem somos os que aqui estamos? Trata-se de uma iniciativa, inaugurada em 2016, associada ao MDOC Festival Internacional de Documentário de Melgaço, promovido pela AO NORTE – Associação de Produção e Animação Audiovisual e pelo Município de Melgaço. À equipa, composta também por Álvaro Domingues, Daniel Maciel, João Gigante, Carlos Eduardo Viana e Rui Ramos, cumpre dedicar-se, cada biénio, sucessivamente, a um agrupamento de freguesias do concelho. Após Parada do Monte e Cubalhão, primeiro, e Prado e Remoães, em seguida, estamos a concluir a União das Freguesias de Castro Laboreiro e Parada do Monte. De cada “caderno de encargos” constam a publicação de dois livros com imagens e textos, um com fotografias produzidas pela equipa, o outro com fotografias recolhidas junto da população, a promoção de duas exposições e a organização de vários encontros científicos e culturais. Já foram editados os livros Pedra e Pele (2018), Festa (2018), Quem fica (2019) e Uma Paisagem Dita Casa (2022). Um dos livros teima em permanecer no prelo. O mais recente, dedicado à freguesia de Lamas de Mouro, inclui o capítulo “A ave, o casal e a lápide: as esculturas da porta da igreja de São João Baptista de Lamas de Mouro”, uma boa ilustração da forma de investigação e comunicação que tenho vindo a adotar. Permito-me disponibilizá-lo também no Margens.

Albertino Gonçalves
Natural de Melgaço, doutorado em Sociologia, investigador do Centro de Estudos Comunicação e Sociedade, autor de Imagens e Clivagens: Os residentes face aos emigrantes (1996), Métodos e Técnicas de Investigação Social (1998), A Romaria da Srª da Agonia. Vida e Memória da Cidade de Viana (2000, c. Moisés de Lemos Martins & Helena Pires), As Asas do Diploma: a inserção profissional dos licenciados pela Universidade do Minho (2001), Da Universidade para o Mundo do Trabalho: Desafios para um Diálogo (2001, c. Leandro S. Almeida, Rosa Vasconcelos & Susana Caires), Dar vida às letras: promoção do livro e da leitura (2007, c. Fernanda Leopoldina Viana & Maria de Lourdes Dionísio), Vertigens do Barroco em Jerónimo Baía e na Actualidade (2007, c. Aida Mata, Ângela Ferreira & Luís da Silva Pereira), Perspectivas de Desenvolvimento do Município de Monção (2008, c. José Cunha Machado, Miguel Bandeira & Victor Rodrigues), Vertigens: para uma sociologia da perversidade (2009), A idade de ouro do postal ilustrado em Viana do Castelo (2010), Guimarães 2012: capital europeia da cultura: impactos económicos e sociais: relatório intercalar (2012, c. Rui Vieira de Castro, Fernando Alexandre et alii), Guimarães 2012, Capital Europeia da Cultura: impactos económicos e sociais: relatório final (2013, c. Rui Vieira de Castro, José Cunha Machado et alii).
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