Todos diferentes, todos iguais

Túmulo de Sethi 1º. Vale dos Reis, oeste de Tebas. Detalhe do teto astronômico da Câmara Mortuária

Por que motivo, nas cidades por onde passamos, nos empenhamos a escolher doze postais diferentes – quando são destinados a doze pessoas diferentes? (Sacha Guitry. Pensées, maximes et anedoctes, 1ª ed. 1985, Le Cherche Midi, 2007, p. 117)

Vulgarizado pela Benetton, o mote “todos diferentes, todos iguais” conquistou a publicidade e o espaço público. Os anúncios passam a apostar na diversidade das figuras convocadas em dimensões tais como o género, a idade, a raça, a posição social ou os padrões estéticos. Cada anúncio oferece um cardápio identitário. Em vez de bens cujo consumo se deseja, imagens a cuja adesão se incentiva. Num dispositivo pós-pavloviano, a projeção e a identificação tendem a sobrepor-se à salivação. Confrontado com tantas e tão díspares figuras, em alguma o espetador se reconhecerá (e doutras se de demarcará).

Marca: United Colours of Benetton. Título: ‘You can be everything’. Fall-Winter 2022 Campaign

“Todos diferentes, todos iguais” constitui uma equação complexa a alcançar. Tudo menos dada de antemão. Suscetível de várias formulações, a tónica pode ser colocada mais próxima de um ou do outro lado: unir mais do que separa ou separar mais do que une.

Nas últimas décadas, o polo da diferença tem adquirido atratividade. Por vezes, em demasia, reduzindo-se as posições, paradoxalmente, a mais do mesmo, a um coro monofónico, pouco aberto e nada tolerante. Nesta di-visão exacerbada do mundo, cada qual vale por si, “sem fazer parte” de uma comunidade orgânica. Esfuma-se o fundo comum, bem como a interdependência e, a fortiori, o sentimento de união e partilha. Em suma, um mosaico estilhaçado a espelhar uma realidade fragmentada à beira do caos. Alguns anúncios proporcionam este efeito. sugerem esta impressão. Os protagonistas sucedem-se sem laços nem nexo. É certo que, à falta de mais, a própria marca, envolvente, assegura a junção, mas como uma espécie de interruptor que acende uma constelação babélica de clichés e flashes.

Esta aposta na diferença parece amiga das liberdades, das autonomias e das identidades. Os processos sociais revelam-se, porém, propensos a perversidades capazes de inverter o sentido das promessas, por mais óbvio que se manifeste. As coletividades inorgânicas, babélicas, carecem de alguma entidade, porventura providencial, que as cimente e acaba por se lhes sobrepor senão impor. Exterior ou estranha, quando não avessa, às diferenças, esta totalização tende a namorar o totalitarismo, tornando-se pouco “amiga das liberdades, das autonomias e das identidades”. Não se trata de uma fatalidade a agitar como um espantalho mas de um risco a não menosprezar.

Albrecht Dürer. Cristo entre os Doutores. Pormenor. 1506.

Convém admitir que boa parte dos anúncios publicitários visa conciliar diferença e igualdade. Encenam a interdependência na e pela diferença sobre um fundo de igualdade e universalismo. Os protagonistas não só se sucedem como dialogam e interagem de uma forma natural e compensadora. Assumida como mediação, a marca, mais do que mero interruptor, funciona, agora, como traço-de-união. O “pluri” e o “multi” abrem-se ao “inter” e ao “trans”. Recentes, os anúncios The Feeling of Good Times, da Heineken, e New Zealand runs on fibre, da Chorus, representam dois casos exemplares.

Marca: Chorus. Título: New Zealand runs on fibre. Agência: Saatchi & Saatchi New Zealand. Direção: The Bobbsey Twins From Homicide. Nova Zelândia, junho 2023
Marca: Heineken. Título: The Feeling of Good Times. Agência: Le Pub / Publicis Italy. Itália, junho 2023

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